terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A CRISE ECONÓMICA E A OUTRA PANDEMIA

A CRISE ECONÓMICA E A OUTRA PANDEMIA

Pedro Afonso

Médico Psiquiatra

In jornal Público 25.11.2009



Portugal está a atravessar uma crise económica com mais de meio milhão de desempregados. Embora não haja estudos rigorosos entre nós, a verdade é que, na prática clínica, os psiquiatras têm observado um número crescente de episódios depressivos e ansiosos relacionados com a actual crise. Portanto, a gripe A não é a única pandemia que assola os portugueses; a doença mental − neste caso, associada a reacções depressivas − parece que tem vindo a aumentar preocupantemente na população, atingindo vários estratos sociais.

O desemprego de longa duração, para além das implicações económicas, tem também consequências psíquicas uma vez que ao fim de algum tempo a pessoa desmoraliza, sente-se inútil, e a ociosidade forçada acaba por se reflectir negativamente na sua saúde mental. Infelizmente, este drama social não está a ter a devida atenção das autoridades, dado que não foi elaborado nenhum plano de apoio para estas pessoas. Aliás, este é um dos problemas da nossa sociedade uma vez que se preocupa excessivamente com estatísticas e números, esquecendo os problemas reais dos cidadãos.

Este momento difícil deve servir para reflectirmos de que não é possível continuarmos a viver neste ritmo acelerado. Tudo se modifica demasiado rapidamente, e aquilo que há tempos atrás demorava 20 anos para acontecer, agora, demora metade ou um terço do tempo. As mudanças sociais, laborais, políticas, económicas, ocorrem a um ritmo estonteante retirando ao indivíduo o tempo necessário de adaptação. Nas empresas os resultados económicos são medidos em ciclos cada vez mais curtos, as reestruturações tornaram-se uma rotina e as fábricas deslocalizam-se subitamente de um país para outro, aumentando a insegurança. Os próprios consumidores ficam confusos pois os ciclos de vida dos produtos encurtaram-se drasticamente, tornando obsoletos objectos perfeitamente funcionais. Ninguém sabe exactamente em que direcção segue o progresso, o mais importante é seguir de acelerador a fundo.

As mudanças sociais e económicas, que surgem a um ritmo alucinante, conduzem a uma inadaptação crescente, o que leva as empresas a recrutarem preferencialmente pessoas mais jovens porque se adaptam mais facilmente. Este é o motivo pelo qual um trabalhador se torna cada vez mais irrecuperável para o mercado de trabalho a partir dos quarenta anos. Mas como explicar a um indivíduo de quarenta anos, ou até mesmo de cinquenta anos, que deixou de ser útil à sociedade? Qual a racionalidade de excluir estas pessoas do mercado de trabalho se a população está envelhecida e a segurança social em risco de ruptura?

Importa sublinhar que esta “pandemia depressiva” é também um reflexo da incapacidade de adaptação do Homem a esta sociedade em constante mudança; em constante progresso. A actual crise económica não se deveu apenas à ganância e à falta de ética dos gestores. Na sua origem está também a obsessão de que só a mudança origina bem-estar. Contudo, é preciso afirmar que nem sempre mudança significa progresso. O Homem necessita de estabilidade e segurança, talvez por isso é que nunca como agora se venderam tantos seguros.

Através do progresso tresloucado, a sociedade acaba por criar o seu próprio “vírus social” que vai sofrendo mutações em ciclos progressivamente mais rápidos, impedindo que o nosso organismo reaja, aumentando o número dos inadaptados; ou seja, os que sofrem de depressão e ansiedade. Não havendo vacina para este vírus, torna-se urgente pararmos um pouco, contrariar esta ditadura do progresso, que tem consequências sociais enormes, e criar espaço para que surjam ideologias. De outro modo, e citando Francis Bacon, a coisas mudam para pior espontaneamente se não forem mudadas, para melhor, de propósito.

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