A DOUTRINA SECRETA - HELENA PETROVNABLAVATSKY - INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
"Sé amável no ouvir,
bondoso no julgar."
Shakespeare
DESDE QUE surgiu na Inglaterra a literatura teosófica, adotou-se o costume de dar aos seus ensinamentos o nome de "Budismo Esotérico". E, uma vez adquirido o hábito, sucede o que diz um velho provérbio baseado na experiência de todos os dias: "O erro desce por um plano inclinado, ao passo que a verdade tem que subir penosamente a escarpa da colina.",
Os antigos aforismos são, com freqüência, os mais sábios. É quase impossível à mente humana o livrar-se inteiramente dos preconceitos ou o evitar a formação de juízos definitivos antes que um assunto seja examinado, por completo, em todas as suas facetas. Disso adveio o erro corrente que, de um lado, restringe a Teosofia ao Budismo e, de outro, confunde os princípios da filosofia religiosa predicada por Gautama, o Buddha, com as doutrinas expostas em largos traços do livro Esoteric Buddhism de A. P. Sinnett. Difícil imaginar um erro maior. Ele deu aos nossos adversários urna arma eficaz contra a Teosofia, porque, como observou com justa razão um eminente sábio páli, naquela obra não havia "nem Esoterismo, nem Budismo". As verdades apresentadas no livro do Sr. Sinnett deixavam de ser esotéricas a partir do momento em que eram entregues ao público; e não era a religião de Buddha o que ali se divulgava, mas tão somente alguns dados de ensinamentos até então ocultos, dados que ora nos propomos desenvolver e complementar com muitos outros, nos presentes volumes. Estes últimos, ainda assim, apesar de trazerem à luz muitos pontos fundamentais da DOUTRINA SECRETA do Oriente, não fazem mais que levantar uma nesga do denso véu que os envolve. Porque a ninguém, nem mesmo ao mais graduado de todos os Adeptos vivos, seria permitido lançar aos azares de um mundo incrédulo e zombeteiro aquilo que tão zelosamente há sido preservado durante séculos e idades sem conta.
Esoteric Buddhism é uma obra excelente, com um título pouco feliz, embora de sentido idêntico ao do presente trabalho: A DOUTRINA SECRETA. Se o considero infeliz, é porque geralmente as coisas são julgadas mais pela aparência do que pelo seu conteúdo real; e ainda porque o erro se tornou de tal modo universal que dele foram vítimas inúmeros membros da própria Sociedade Teosófica. Verdade é que, desde o princípio, alguns Brâmanes e outras pessoas protestaram contra o título; e, à guisa de justificativa, eu mesma devo acrescentar que o manuscrito me foi mostrado em forma já acabada, sem que me fosse declinado o título que iria receber, nem muito menos a maneira pela qual o autor se propunha grafar a palavra "Budh-ism".
A responsabilidade pelo erro cabe àqueles que, tendo sido os primeiros a chamar a atenção pública para os assuntos dessa, ordem, não se lembraram de advertir que há uma diferença entre "Buddhism", sistema moral e religioso fundado por Gautama Buddha - - título este que significa "o Iluminado" — e "Buddhism", de Budha, "Sabedoria ou Conhecimento (Vidya)", palavra derivada da raiz sânscrita Budh, conhecer. Os teósofos da índia somos os verdadeiros culpados, embora depois tivéssemos feito todo o possível para corrigir o erro[1]. Era, aliás, fácil elidir a confusão: bastaria retificar a grafia da palavra, escrevendo-a com um só d e observando que "Buddhism", religião, devia antes revestir a forma e pronunciar-se "Buddhaism".
Tal esclarecimento se faz de todo indispensável no início de uma obra como esta. A "Religião-Sabedoria" é a herança comum de todas as nações do mundo, em que pese à afirmação que figura no Esoteric Buddhism[2] de que "até dois anos antes (ou seja, até 1883) nem o autor nem qualquer outro europeu vivo conheciam o alfabeto da Ciência, aqui apresentada pela primeira vez em termos científicos" etc. Este equívoco deve ser levado à conta de inadvertência. A que escreve as presentes linhas conhecia tudo quanto se "divulgou" no Esoteric Buddhism, e muitas coisas mais, vários anos antes de ter recebido a incumbência (no ano de 1880) de transmitir uma pequena parcela da DOUTRINA SECRETA a dois europeus, um dos quais foi precisamente o autor daquele livro; e a esta escritora não se pode, certamente, negar o privilégio - ainda que algo equívoco para ela - de haver nascido na Europa e ter-se aqui educado. Além disso, boa parte da filosofia exposta pelo Sr. Sinnett foi ensinada na América, ainda antes da publicação de Ísis sem Véu, a outros dois europeus e ao meu colega Coronel H. S. Olcott. Dos três mestres deste último, o primeiro foi um Iniciado húngaro, o segundo egípcio e o terceiro hindu. Por especial permissão, o Coronel Olcott divulgou alguns desses ensinamentos, de várias maneiras; e só o não fizeram os outros porque não tiveram autorização para tal, uma vez que ainda não havia chegado a hora de se dedicarem à atividade externa. Essa hora, porém, chegou para alguns, sendo uma prova tangível disso os interessantes livros do Sr. Sinnett. Cumpre deixar bem claro que nenhuma obra teosófica sobe de valor ou adquire importância especial em razão de qualquer parcela de autoridade que o seu autor porventura invoque.
Adi ou Âdhi Budha, ó Uno, ou a Primeira e Suprema Sabedoria, é um termo usado por Âryâsanga em seus tratados secretos, e também atualmente por todos os místicos budistas do Norte. É uma palavra sânscrita, e uma denominação dada pelos primitivos Arianos à Divindade desconhecida; não .se encontra a palavra "Brahmâ" nem nos Vedas nem nas escrituras anteriores. Significa a Sabedoria Absoluta, e Fitzedward Hall traduz Âdhi-bhûta com a "causa primordial incriada de todas as coisas". Evos e evos devem ter-se passado antes que o epíteto de Buddha viesse, por assim dizer, a ser humanizado, aplicando-se aos mortais, e apropriado finalmente ao indivíduo cujas virtudes e sabedoria incomparáveis o tornassem digno do título de "Buddha da Sabedoria Imutável". Bodha significa a posse inata da inteligência ou entendimento divino; Buddha, a sua aquisição pelos esforços e méritos pessoais; e Buddhi é a faculdade de conhecer, o canal por onde o conhecimento divino flui até o Ego, o discernimento do bem e do mal, e também a consciência divina, e a alma espiritual, que é o veículo de Âtmâ. "Quando Buddhi absorve (destrói) o nosso Egotismo com todos os seus Vikâras[3], Avalokieteshvara se manifesta em nós, e o Nirvana ou Mukti é alcançado"; Mukti é o mesmo que Nirvana: a libertação dos laços de Maya ou ilusão. Bodhi é igualmente o nome de um estado particular de êxtase, chamado Samâdhi, durante o qual o indivíduo atinge o ápice do conhecimento espiritual.
Ignorantes os que, por ódio ao Buddhismo e, por via reflexa, ao Buddhismo — ódio cego e intempestivo nos dias de hoje —, negam os seus ensinamentos esotéricos, que são também os dos Brâmanes, simplesmente porque o nome está associado a princípios e doutrinas que para eles, como monoteístas, são perniciosos. Ignorantes — é bem o termo que lhes cabe, pois só a Filosofia Esotérica é capaz de resistir, nesta época de materialismo crasso e ilógico, aos repetidos ataques a tudo quanto o homem tem de mais caro e sagrado em sua vida espiritual interna. O verdadeiro filósofo, o estudante da Sabedoria Esotérica, perde inteiramente de vista as personalidades, as crenças dogmáticas e as religiões particulares. Além disso, a Filosofia Esotérica concilia todas as religiões, despe-as de suas vestimentas humanas exteriores e demonstra que a raiz de cada uma delas é a mesma de todas as demais religiões. A Filosofia Esotérica prova a necessidade de um Princípio Divino e Absoluto na Natureza. Ela não nega a Divindade, como não nega o Sol, e jamais deixou de reconhecer a "Deus na Natureza", nem a Divindade como Eus absoluto e abstrato. Recusa-se unicamente a aceitar os Deuses das chamadas religiões monoteístas, criados pelo homem à sua imagem e semelhança, tristes e ímpias caricaturas do Eterno Incognoscível. Por outro lado, a documentação que vamos pôr ante os olhos do leitor abrange as doutrinas esotéricas do mundo inteiro, desde os primórdios da humanidade; e nela o ocultismo budista ocupa o lugar que lhe corresponde -- nada mais. Em verdade, os pontos secretos do Dan ou Jan-na (Dhyârta)[4] da metafísica de Gautama, por mais amplos que pareçam aos que desconhecem os princípios da Religião-Sabedoria, não representam senão uma parcela mínima do todo. O Reformador indiano confinou seus ensinamentos ao aspecto puramente moral e fisiológico da Religião-Sabedoria, ao homem e à ética simplesmente. Das coisas "invisíveis e incorpóreas", do mistério do Ser fora de nossa esfera terrestre, não se ocupou o grande Instrutor em seus ensinamentos públicos: as verdades ocultas eram reservadas para um círculo seleto de seus Arhats. Estes últimos recebiam a iniciação na famosa Gruta Saptaparna (a Sattapanni de Mahâvansa), perto do Monte Baibhâr (o Webhâra dos manuscritos pális). A gruta ficava em Râjâgriha, a antiga capital de Magadha, e era a gruta de Fa-hian, tal como supõem alguns arqueólogos[5].
O tempo e a imaginação humana não tardaram em alterar a pureza e a filosofia desses ensinamentos quando foram transplantados do círculo secreto e sagrado dos Arhats, no curso de sua obra de proselitismo, para um solo menos preparado que o da índia para as concepções metafísicas - ou seja, assim que foram levados para a Birmânia, o Sião, a China e o Japão. Pode-se ver quanto sofreu a pureza original daquelas importantes revelações estudando alguns dos chamados sistemas budistas "esotéricos" da antigüidade em seu aspecto moderno, não só na China como em outros países budistas em geral, inclusive em não poucas escolas do Tibete, abandonadas ao cuidado de Lamas não iniciados e de inovadores mongóis.
Chamamos a atenção do leitor para a grande diferença que existe entre o Budismo ortodoxo, ou seja, os ensinamentos públicos de Gautama o Buddha, e o seu Budismo esotérico. Sua Doutrina Secreta, contudo, em nada diferia da dos Brâmanes iniciados do seu tempo. O Buddha era filho da terra ariana, um hindu de nascimento, um Kshatrya, discípulo dos "nascidos duas vezes" (os brâmanes iniciados) ou Dvijas. Os ensinamentos do primeiro não podiam, pois, ser diferentes da doutrina destes últimos, já que toda a reforma budista consistiu em revelar uma parte do que havia permanecido secreto para todos aqueles que estavam fora do "círculo encantado" dos ascetas e dos iniciados do Templo. Impedido, por força de seu juramento, de ensinar tudo quanto lhe havia sido comunicado, e embora anunciasse uma filosofia formada com a tessitura da verdadeira ciência esotérica, Buddha não apresentou ao mundo senão o corpo material e externo dessa filosofia, reservando a alma para os seus eleitos. Vários sinólogos ouviram falar da "doutrina da alma", mas nenhum parece haver compreendido sua verdadeira significação e importância.
Essa doutrina foi conservada em segredo dentro do santuário — talvez em excessivo segredo. O mistério que envolvia seu dogma principal e seu objetivo supremo, o Nirvana, aguçou e irritou a tal ponto a curiosidade dos sábios que o têm estudado, que, não sendo capazes de resolvê-lo de maneira lógica e satisfatória, desatando o nó Górdio, preferiram cortá-lo, declarando que o Nirvana significa o aniquilamento absoluto.
Ao findar o primeiro quartel deste século, apareceu no mundo uma classe especial de literatura, cujas tendências se foram acentuando mais nitidamente de ano em ano. E, alegando basear-se em investigações eruditas de sanscritistas e orientalistas em geral, chegou a assumir foros de científica. Religiões, mitos e emblemas da Índia, do Egito e de outras nações antigas foram interpretadas segundo o entendimento que aos simbologistas lhes aprouve dar; a sua forma grosseira e exterior passou muitas vezes a exprimir o seu sentido interno. Apareceram em rápida sucessão obras notáveis por suas especulações e deduções engenhosas formadas em círculo vicioso, por apresentarem conclusões geralmente preconcebidas, em vez de premissas, nos silogismos de vários sábios em sânscrito e em páli; e assim inundaram as bibliotecas com dissertações muito mais sobre o culto fálico e sexual que sobre o verdadeiro simbolismo, e contradizendo-se umas com as outras.
Essa é, talvez, a razão por que se permite que hoje venham à luz, após milênios de silêncio e do mais profundo segredo, os lineamentos de algumas verdades fundamentais da Doutrina Secreta das Idades Arcaicas. Menciono de propósito "algumas verdades", pois o que ainda deve permanecer em silêncio não caberia em uma centena de volumes como este, nem pode ser comunicado à presente geração de saduceus. Mas o pouco que agora se divulga é ainda preferível ao silêncio total acerca dessas verdades vitais. O mundo atual, em sua desabalada corrida para o desconhecido — que o físico tanto se apressa em confundir com o incognoscível, sempre que o problema lhe escapa à compreensão — progride rapidamente em direção oposta à espiritualidade. O mundo converteu-se hoje em uma vasta arena, em um verdadeiro vale de discórdia e de luta sem fim, em uma necrópole onde são sepultadas as mais elevadas e santas aspirações de nossa alma espiritual. Esta alma se atrofia e paralisa, cada vez mais, em cada geração nova. Os "amáveis infiéis e consumados libertinos" da sociedade de que fala Greeley muito pouco se interessam pelo renascimento das ciências mortas do passado; mas existe uma nobre minoria de estudantes sérios e entusiastas que merecem aprender as poucas verdades que hoje lhes podem ser oferecidas; e agora muito mais que há dez anos, quando surgiu a obra Ísis sem Véu ou vieram a público as últimas tentativas para explicar os mistérios da ciência esotérica.
Uma das maiores e provavelmente a mais importante das objeções contra a veracidade do presente livro, e a confiança que deva inspirar, manifestar-se-á no que se refere às Estâncias preliminares. Como comprovar as declarações nelas contidas? Em verdade, se grande parte das obras sânscritas, chinesas e mongóis, citadas nestes volumes, são conhecidas de alguns orientalistas, a obra principal, aquela da qual foram recolhidas as Estâncias, não figura em nenhuma das bibliotecas européias. O LIVRO DE DZYAN (ou DZAN) é completamente ignorado dos nossos filólogos, ou pelo menos jamais ouviram falar dele sob aquele nome. Eis, sem dúvida, um grave obstáculo para todos os que seguem os métodos de investigação prescritos pela ciência oficial. Para os estudantes de Ocultismo, porém, e para todo verdadeiro Ocultista, isso não terá maior importância. O corpo principal das doutrinas expostas se encontra disseminado em centenas e até milhares de manuscritos sânscritos, alguns já traduzidos, e, como de costume, desfigurados em sua significação, outros à espera de que lhes chegue a vez. Todo homem de ciência tem, portanto, oportunidade para verificar os assertos e a maior parte das citações que se fazem. Alguns fatos novos há (novos unicamente para o orientalista profano), assim como certas passagens dos Comentários, cuja fonte será difícil identificar. Vários ensinamentos, além disso, só foram até agora objeto de transmissão oral; em todo caso, porém, existem referências a eles nos volumes quase inumeráveis da literatura dos templos bramânicos, chineses e tibetanos.
De qualquer modo, e seja qual for a sorte reservada à autora por parte da crítica malévola, há pelo menos uma coisa que não pode ser posta em dúvida. Os membros de várias escolas esotéricas, cujo centro está situado além dos Himalaias e de que se podem encontrar ramificações na China, no Japão, no Tibete e até mesmo na Síria, como também na América do Sul, afirmam que têm em seu poder a soma total das obras sagradas e filosóficas, manuscritas ou impressas, enfim, todas as obras que têm sido escritas, nas diversas línguas ou caracteres, desde os hieróglifos ideográficos até o alfabeto de Cadmo e o Devanâgari.
Dizem e repetem constantemente que, a partir da destruição da biblioteca de Alexandria[6], todas as obras que podiam levar ao conhecimento da Ciência Secreta hão sido objeto de cuidadosas buscas, graças aos esforços combinados dos membros daquela Fraternidade. E os entendidos acrescentam que, uma vez descobertas, essas obras foram destruídas, com exceção de três exemplares de cada uma, que foram conservadas sob rigorosa custódia. Na índia, os últimos destes preciosos manuscritos foram guardados em um sítio oculto durante o reinado do Imperador Akbar.
O Professor Max Muller declara que nem o suborno nem as ameaças de Akbar foram capazes de arrancar aos Brâmanes o texto original dos Vedas; mas logo se vangloria de que os orientalistas europeus o possuem[7]. É muito duvidoso que a Europa tenha o texto completo; e o futuro talvez venha a reservar surpresas desagradáveis para os orientalistas.
Diz-se também que todos os livros sagrados dessa espécie, cujo texto não se achava suficientemente velado pelo simbolismo, ou continha alusões muito diretas aos antigos mistérios, foram então copiados em caracteres criptográficos, tais que pudessem desafiar a argúcia do mais competente paleógrafo, e depois destruídos até o último exemplar. No reinado de Akbar, alguns cortesãos fanáticos, vendo com pesar o interesse pecaminoso que o seu soberano demonstrava pelas religiões dos infiéis, chegaram até a ajudar os Brâmanes na ocultação dos manuscritos. Um daqueles foi Badâoni, que sentia um horror não dissimulado à mania de Akbar pelas religiões idolatras.
Foi Badâoni que escreveu em seu Muntakhab at Tawârikb:
"Como eles (os Shrâmanas e Brâmanes) sobrepujam todos os homens eruditos em seus tratados de moral ou de ciências físicas e religiosas, e alcançam um altíssimo grau em seu conhecimento do futuro, em seu poder espiritual e em perfeição humana, apresentaram provas com fundamento em razões e em testemunhos... e inculcaram suas doutrinas com tanta segurança. .. que ninguém poderia levantar a menor dúvida no espírito de Sua Majestade, ainda que as montanhas se desfizessem em pó ou o céu se rasgasse em pedaços... Sua Majestade houve por bem entrar em averiguações sobre as seitas desses infiéis, que não podem ser contados, tão numerosos são, e possuem quantidade imensa de livros revelados[8]."
É de ver que a obra de Badâoni "foi mantida em segredo e não foi publicada antes do reinado de Jahângu".
Por outra parte, em todas as grandes e ricas lamaserias existem criptas subterrâneas e bibliotecas em grutas cavadas na rocha, sempre que os Conpa e os Lhakhang se achem situados nas montanhas. Além do Tsaydam ocidental, nos solitários desfiladeiros do Kuen-lun, há vários destes sítios ocultos. Ao longo dos cumes de Altyn-tag, onde a terra ainda não foi tocada por nenhum pé europeu, existe uma aldeia perdida no interior de profunda garganta. É um pequeno aglomerado de casas, mais um lugarejo do que propriamente um mosteiro, com um templo pobre de aspecto, guardado apenas por um velho lama, que mora em uma ermida próxima. Dizem os peregrinos que as galerias e salas subterrâneas do templo encerram uma coleção de livros, em tão grande número que, segundo as informações, dariam para ocupar o próprio Museu Britânico.
Reza a mesma tradição que as regiões atualmente desoladas e áridas do Tarim (um verdadeiro deserto no coração do Turquestão) estavam outrora cobertas de cidades ricas e florescentes. Hoje apenas alguns verdes oásis quebram a monotonia daquela terrível solidão. Um deles, que recobre o sítio de uma vasta cidade sepultada no solo arenoso do deserto, não tem dono conhecido, mas é visitado com freqüência por mongóis e budistas. A tradição fala também de imensos recintos subterrâneos, de amplas galerias cheias de esteias e cilindros. Pode não passar de um simples rumor, mas também pode ser um fato real.
E provável que tudo isso provoque um sorriso de incredulidade. Que o leitor, apesar disso, antes de dar por assente a inverossimilhança da versão, se detenha um pouco e procure refletir nos seguintes fatos, bem conhecidos. As investigações coletivas dos orientalistas, e em especial os trabalhos levados a efeito nestes últimos anos pelos que se dedicaram ao estudo da Filosofia comparada e da Ciência das Religiões, trouxeram-lhes a convicção de que um número incalculável de manuscritos e também de obras impressas, que se sabe terem existido, já não podem ser encontrados atualmente. Desapareceram, sem deixar o menor vestígio. Se eram obras sem importância, é de admitir que as tivessem deixado perecer no curso ordinário do tempo, e que até os seus nomes se apagassem da memória humana. Mas não e assim; pois, conforme esta hoje comprovado, a maior parte delas continha verdadeiras chaves de outras que ainda existem, embora sejam de todo incompreensíveis para a maioria de seus leitores, por falta daqueles volumes adicionais de comentários e explicações.
Tal é o que sucede, por exemplo, com as obras de Lao-tse, o precursor de Confúcio. Diz-se que ele escreveu 930 livros sobre ética e religião, e 70 sobre magia; mil ao todo. Sua grande obra, o Tao-te-King, o coração de sua doutrina e a escritura sagrada do Tao-sse contém apenas, como é demonstrado por Stanislas Julien, "umas 5.000 palavras[9]", em uma escassa dúzia de páginas; no entanto, acha o Professor Max Muller que "o texto é ininteligível sem comentários, sendo Julien obrigado, para sua tradução, a consultar mais de 60 comentadores, o mais antigo dos quais escreveu por volta do ano 163 antes de Cristo", e não em época anterior. Durante os quatro séculos e meio que antecederam a este "mais antigo" dos comentadores, houve tempo mais que suficiente para que a verdadeira doutrina de Lao-tse fosse velada à compreensão de todo o mundo, exceto à dos sacerdotes iniciados. Os japoneses, entre os quais se encontram hoje os mais sábios sacerdotes e adeptos de Lao-tse, limitam-se a sorrir em face das suposições e disparates dos sinólogos europeus; e a tradição afirma que os comentários chegados ao conhecimento dos nossos orientalistas ocidentais não representam os lídimos anais ocultos, senão véus intencionais; e que tanto os comentários reais como quase todos os textos há muito desapareceram aos olhos dos profanos.
Sobre as obras de Confúcio, diz Max Muller:
"Se voltarmos nossa atenção para a China, veremos que a religião de Confúcio assenta suas bases nos Cinco King e nos quatro livros Shu, já por si de considerável extensão, entremeados de amplos comentários, sem os quais os letrados, inclusive os mais sábios, não se aventurariam a sondar as profundezas do seu cânone sagrado[10]."
Mas eles não as sondaram, e esta é precisamente a queixa dos confucionistas, como externava em Paris, em 1881, um dos mais ilustres membros dessa corporação religiosa.
Se os nossos eruditos dirigirem a vista para a antiga literatura das religiões semíticas, para as Escrituras da Caldéia, a irmã maior e inspiradora, senão a fonte, da Bíblia Mosaica, base e ponto de partida do Cristianismo — que encontrarão? Que ficará para perpetuar a memória das antigas religiões da Babilônia, evocar o vasto ciclo de observações astronômicas dos magos caldeus, explicar as tradições de sua literatura esplêndida e eminentemente oculta? Nada, a não ser alguns fragmentos atribuídos a Berose.
Estes, aliás, são quase desprovidos de valor, até mesmo como fio condutor para descobrir o sentido verdadeiro daquilo que desapareceu, por quanto passaram peias mãos de S. Excelência o Bispo de Cesaréia[11] , o qual chamou a si a função de censor e editor dos anais sagrados das religiões alheias; e trazem, sem dúvida, até hoje, o selo de sua mão por todos os títulos veraz e digna de fé. Qual é, com efeito, a história daquele tratado sobre a outrora tão importante religião da Babilônia?
Escrito em grego para Alexandre Magno, por Berose, sacerdote do templo de Bel, de acordo com os anais astronômicos e cronológicos conservados pelos sacerdotes do mesmo templo, e que compreendiam um período de 200.000 anos, o tratado se encontra desaparecido. No primeiro século que antecedeu à nossa era, Alexandre Polyhistor dele fez uma série de compilações, que também se perderam. Eusébio, bispo de Cesaréia, serviu-se dessas compilações para escrever o seu Chronicon (270-340 A.D.). Os pontos de semelhança, quase de identidade, entre as Escrituras dos Judeus e as dos Caldeus[12], tornavam estas últimas um verdadeiro perigo para Eusébio, em seu papel de defensor e campeão da nova fé, que havia adotado as Escrituras hebraicas e, com elas, uma cronologia absurda. É absolutamente certo que Eusébio não poupou as tábuas sincrônicas de Manethon; tanto é assim que Bunsen[13] o acusa de haver mutilado a história sem o menor escrúpulo; e tanto Sócrates, historiador do século V, como Syncellus, vice-patriarca de Constantinopla no começo do século VIII, o denunciam como um dos mais ousados e cínicos falsificadores. Não seria, pois, de estranhar que Eusébio tratasse com mais respeito os anais caldeus, os quais naquele tempo ameaçavam a nova religião tão apressadamente aceita.
Assim, com exceção daqueles mais que duvidosos fragmentos, toda a literatura sagrada dos caldeus sumiu da vista dos profanos, de maneira tão completa como a perdida Atlântida. Alguns poucos fatos contidos na história de Berose são mencionados mais adiante, e poderão projetar muita luz sobre a vera origem dos Anjos Caídos, personificados por Bel e o Dragão.
Volvendo agora ao mais vetusto modelo da literatura ária, o Rig Veda, e seguindo aqui, rigorosamente, as indicações dos próprios orientalistas, verá o estudante que, se bem não contenha o Rig Veda mais de 10.580 versículos, ou 1.028 hinos, não foi ele ainda interpretado corretamente, apesar da contribuição dos Brâhmanas e da massa de glosas e comentários. E por quê? A razão, evidentemente, é que os Brâhmanas, "os mais antigos tratados escolásticos sobre os primitivos hinos", chamam por sua vez uma chave, que aos orientalistas não foi dado encontrar.
Que dizem os sábios no que entendem por literatura budista? Terão conseguido conhecê-la em sua totalidade? Certamente que não. Apesar dos 325 volumes do Kanjur e do Tanjur dos budistas do Norte (cada volume, segundo se diz, "pesa de quatro a cinco libras"), nada, em verdade, se sabe a respeito do autêntico lamaísmo. Há, porém, a informação de que o cânon sagrado contém 29.368.000 letras no Saddharmâlankâra[14], ou seja, não contando os tratados e os comentários, cinco ou seis vezes a matéria existente na Bíblia, que, segundo o Professor Max Muller, contém apenas 3.567.180 letras. E quanto àqueles 325 volumes (na realidade são 333 volumes: 108 do Kanjur e 225 do Tanjur), "os tradutores, em vez de se limitarem a dar-nos as versões corretas, entremearam-nas com os seus próprios comentários, no afã de justificar os dogmas das diversas escolas[15]". Ademais, "de acordo com uma tradição conservada pelas escolas budistas, assim as do Norte como as do Sul, o cânon sagrado compreendia, em sua origem, de 80.000 a 84.000 tratados; a maior parte deles, porém, se perdeu, tendo restado apenas uns 6.000", acrescenta o Professor. Perdidos para os europeus, naturalmente. Mas estará ele bem seguro de que igualmente se perderam para os budistas e os brâmanes?
Levando em conta o caráter sagrado em que os budistas tinham tudo o que se escrevia sobre Buddha e a Boa Lei, a perda de cerca de 76.000 tratados parece fantástica. Se fosse o caso inverso, qualquer pessoa que conhece o curso natural de acontecimentos subscreveria a afirmação de que podiam ter sido destruídos, daquele número, uns 5.000 ou 6.000 tratados, durante as perseguições ou as emigrações da Índia. Como, porém, está confirmado que os Arhats budistas, com o propósito de propagar a nova fé além de Cachemira e dos Himalaias, iniciaram seu êxodo religioso no ano 300 antes de Cristo[16], e que chegaram à China no ano 61 de nossa era[17], quando Kashyapa, a convite do imperador Ming-ti, foi ali para ensinar ao "Filho do Céu" as doutrinas budistas, parece estranho que os orientalistas venham falar de semelhante perda como se fosse realmente possível. Nem por um momento parecem admitir a possibilidade de que os textos estejam perdidos somente para o Ocidente e para eles; ou que os povos asiáticos observem a inusitada atitude de conservá-los ciosamente fora do alcance dos estrangeiros, recusando-se a entregá-los à profanação e ao mau emprego por parte de outras raças, ainda que sejam estas consideradas "muitíssimo superiores" a eles.
Tendo em vista as numerosas confissões e queixas procedentes de quase todos os orientalistas[18], pode o público estar certo do seguinte: 1.°) Que os estudantes das religiões antigas dispõem realmente de escassas informações em que assentar conclusões definitivas, como geralmente fazem, a respeito das velhas crenças. 2.°) Que, não obstante, essa carência de dados não os impede de dogmatizar. Poder-se-ia supor que, graças aos inúmeros anais da teogonia egípcia e dos mistérios, conservados pelos clássicos e por vários autores da antigüidade, os ritos e dogmas do Egito dos Faraós deviam, pelo menos, ser mais bem compreendidos; em todo caso, melhor que as filosofias abstratas e o panteísmo da Índia, sobre cuja língua e religião não linha a Europa a menor idéia, por assim dizer, antes do início deste século. Ao longo do Nilo e em toda a superfície do Egito vêem-se, ainda hoje, relíquias que falam eloqüentemente da própria história; e outras são exumadas todos os anos e até diariamente.
Entretanto, assim não acontece. E o próprio sábio e filólogo de Oxford confessa a verdade, dizendo:
"Apesar de... contemplarmos as pirâmides ainda de pé, e as ruínas de templos e labirintos com os seus muros cobertos de inscrições hieroglíficas e de estranhas pinturas de deuses e deusas...; apesar de possuirmos, em rolos de papiros que parecem desafiar a ação destruidora do tempo, fragmentos dos chamados livros sagrados dos Egípcios; apesar de se haver decifrado muita coisa dos antigos documentos daquela misteriosa raça — a fonte principal da religião do Egito e a intenção original do seu culto e cerimônias estão ainda muito longe de ser por nós completamente descobertas[19]."
Nesse particular, estão aí os misteriosos documentos hieroglíficos; mas as chaves, que — só elas — podiam fazê-los inteligíveis, desapareceram totalmente. Os nossos grandes egiptólogos conhecem tão pouco sobre os ritos funerários do Egito, assim como dos sinais exteriores da diferença de sexo nas múmias, que vão ao ponto de cometer os erros mais ridículos. Há cerca de um ou dois anos foi descoberto um desses enganos em Bulaq, Cairo. A múmia que se acreditava pertencer à esposa de um faraó de menor importância veio a converter-se, graças à inscrição num amuleto pendente do pescoço, na de Sesóstris, o maior rei do Egito!
Apesar de tudo, tendo concluído que "existe uma relação natural entre a língua e a religião", e que "houve uma religião ária comum antes da divisão da raça ariana"; "uma religião semítica comum antes da divisão da raça semítica", e "uma religião turaniana comum antes da separação dos chineses e de outras tribos pertencentes à raça turaniana"; mas havendo, de fato, descoberto somente "três antigos centros de religião" e "três centros de linguagem"; e apesar de permanecer na mais completa ignorância tanto em relação àquelas religiões e línguas primitivas como à sua origem, - não vacila o Professor em declarar que "foi encontrada uma base realmente histórica para o estudo científico das religiões do mundo".
Um "estudo científico" do assunto não é garantia de sua "base histórica"; e, com tal escassez de dados à mão, nenhum filólogo, por mais eminente que seja, está autorizado a apresentar suas próprias conclusões como fatos históricos. Sem dúvida, o ilustre orientalista provou à saciedade e em termos satisfatórios para o mundo que, consoante a lei de Grimm, relativa às regras fonéticas, Odin e Buddha são dois personagens diferentes, completamente distintos um do outro; e o provou cientificamente. Mas quando, não se limitando a isso, acrescenta logo a seguir que "Odin era adorado como a suprema divindade em uma época muito anterior à do Veda e de Homero[20]", avança uma afirmativa que não tem a menor base "histórica". Assim, ele subordina a história e os fatos a suas conclusões pessoais — o que poderá ser muito "científico" aos olhos dos orientalistas, mas está muito longe da verdade. As opiniões contraditórias dos diversos filólogos e orientalistas eminentes, desde Martin Haug até o próprio Max Muller, a propósito dos assuntos de cronologia, como sucede no caso dos Vedas, são a melhor prova de que o enunciado não se ajusta a nenhuma base "histórica", não passando a tal "evidência intrínseca", muitas vezes, do clarão de um fogo fátuo, em lugar de ser um farol que possa servir de guia seguro. E a novel ciência da mitologia comparada não dispõe de argumentos mais convincentes para opor à afirmação de eruditos escritores que, desde um século aproximadamente, insistiram em que devia haver "fragmentos de uma revelação primitiva, feita aos antecessores do gênero humano... fragmentos conservados nos templos da Grécia e da Itália". É isto precisamente o que todos os Iniciados e os Pandits do Oriente têm proclamado ao mundo de tempos em tempos.
Por outra parte, um ilustrado sacerdote cingalês asseverou à autora destas linhas ser coisa sabida que os mais importantes tratados sagrados do cânon budista permaneciam guardados em países e lugares inacessíveis aos pandits europeus; e o saudoso Swâmi Dayânand Sarasvati, o maior sanscritista indiano de seu tempo, fez idêntica declaração a alguns membros da Sociedade Teosófica a respeito de antigas obras bramânicas. Quando o informaram de que o Professor Max Muller havia sustentado perante os ouvintes de suas conferências que "a teoria de uma revelação primitiva e sobrenatural outorgada aos progenitores da raça humana não encontra hoje senão um reduzido número de partidários", aquele santo e sábio homem desatou a rir. Sua resposta foi significativa: "Se o Sr. Moksh Mooller (como ele pronunciava o nome) fosse um brâmane e viesse procurar-me, eu poderia levá-lo a uma caverna gupta (uma cripta secreta), perto de Okhee Math, nos Himalaias, onde ele não tardaria em certificar-se de que o que transpôs o Kâlapâni (as negras águas do Oceano), da índia para a Europa, não representa senão fragmentos de cópias inautênticas de alguns trechos dos nossos livros sagrados. Existiu uma 'revelação primitiva', que ainda se conserva; e não ficará perdida para o mundo, porque nele há de reaparecer; simplesmente, terão os Mlechchhas[21] que esperar." Interrogado sobre este ponto, nada mais quis adiantar o Swami. Passou-se isto em Meerut, no ano de 1880.
Sem dúvida, foi cruel a mistificação de que foram vítimas, no século passado, em Calcutá, o Coronel Wilford e Sir William Jones, por parte dos brâmanes. Mas foi bem merecida, e no caso não há que censurar senão os missionários e o próprio Coronel Wilford. Os primeiros, segundo o testemunho pessoal de Sir William Jones[22] , foram sobremodo imprudentes ao sustentar que "os hindus, mesmo hoje, eram quase cristãos, porque os seus Brahmâ, Vishnu e Mâhesha não eram outra coisa senão a Trindade cristã[23]". Foi uma boa lição; fez com que os orientalistas se tornassem duplamente cautelosos; mas é possível que haja contribuído para que alguns deles ficassem demasiado suspicazes, e desse causa, como reação, a que o pêndulo das conclusões precedentes oscilasse de modo exagerado em sentido oposto. Porque "aquela primeira provisão do mercado bramânico", oferecida à procura do Coronel Wilford, provocou de parte dos orientalistas modernos a necessidade evidente e o desejo de apregoarem que quase todos os manuscritos sânscritos arcaicos são tão modernos que justificam plenamente os missionários, quando se valem da oportunidade. E estes o fazem na medida em que o facultam os recursos de sua inteligência, como dão prova as tentativas absurdas ultimamente empreendidas no sentido de demonstrar que toda a história de Krishna, narrada nos purânas, era um plágio da Bíblia, perpetrado pelos Brâmanes!
Mas os fatos referidos pelo professor de Oxford em suas Conferências, no tocante às hoje famosas interpelações que beneficiaram o Coronel Wilford (embora depois lhe servissem de irrisão), não contradizem em coisa alguma as conclusões que se impõem a quem quer que estude a Doutrina Secreta. Porque, se os resultados mostram que nem o Novo nem ainda o Velho Testamento copiaram algo das religiões antigas dos brâmanes e dos budistas, não se segue daí que os judeus não tivessem ido buscar nas escrituras dos Caldeus tudo o que sabiam, nessas mesmas escrituras que foram mais tarde mutiladas por Eusébio. Quanto aos Caldeus, é certo que deviam sua primitiva ciência aos brâmanes: Rawlinson demonstra ser incontestável a influência védica na antiga mitologia da Babilônia, e o Coronel Vans Kennedy declarou, há muito tempo, com notável exatidão, que a Babilônia foi, em suas origens, um centro de estudos sânscritos e bramânicos. Mas é preciso acreditar que todas estas provas perdem o seu valor em presença da última teoria do Professor Max Muller...
Todo o mundo sabe em que consiste essa teoria. O código das leis fonéticas passou a ser um dissolvente universal para todas as identificações e conexões entre os deuses de vários povos. Assim, embora a mãe de Mercúrio (Buddha, Thoth-Hermes etc.) fosse Maia; embora a mãe de Gautama Buddha também se chamasse Mâyâ; e embora a mãe de Jesus fosse igualmente Mâyâ (Ilusão, por que Maria é Mare, o Mar, símbolo da grande Ilusão) - esses três personagens não têm nenhuma conexão entre si, nem podem tê-la, desde que Bopp "estabeleceu o seu código de leis fonéticas".
Em seu afã de reunir os diversos fins da história não escrita, os nossos orientalistas dão um passo por demais ousado quando negam a priori tudo o que se não ajusta a suas conclusões especiais. Assim, enquanto diariamente se fazem novos descobrimentos de grandes artes e ciências, que remontam à noite dos tempos, contesta-se até o simples conhecimento da escrita por algumas das nações mais antigas, que são qualificadas como bárbaras e desprovidas de cultura. No entanto, são ainda visíveis os traços de uma imensa civilização, inclusive na Ásia Central. Tal civilização é indubitavelmente pré-histórica. E como poderia existir civilização sem literatura, de uma ou de outra forma, sem anais ou crônicas? O senso comum deveria ser suficiente para suprir os elos partidos na história das nações que se foram. A muralha gigantesca e ininterrupta de montanhas que circunda todo o planalto do Tibete, desde o curso superior do rio Khuan-Khé até as colinas de Karakorum, foi testemunha de uma civilização que durou milhares de anos, e poderia revelar à humanidade os mais estranhos segredos. Foi num tempo em que as partes oriental e central daquelas regiões — o Nan-Chang e o Alty-Tâgh — estiveram semeadas de cidades que podiam rivalizar com Babilônia. Escoou-se todo um período geológico sobre essas terras, após haver soado a derradeira hora de tais cidades, conforme o atestam os montes de areia movediça e o solo ainda hoje estéril das imensas planícies centrais da bacia do Tarim, de que apenas as orlas são conhecidas superficialmente pelos viajantes. No interior destas mesetas arenosas existe água, e há frescos e florescentes oásis, onde nenhum pé europeu se aventurou a penetrar, pelo receio de um solo traiçoeiro. Entre os verdes oásis se encontram alguns inteiramente inacessíveis aos profanos, inclusive os viajantes indígenas.
Podem os furacões "fender as areias e varrer planícies inteiras": são impotentes para destruir o que está fora de seu alcance. Os subterrâneos construídos nas entranhas da terra garantem os tesouros ali encerrados; e como o seu acesso permanece oculto, não é de temer que venham a ser descobertos, ainda que vários exércitos invadissem os ermos arenosos, onde
Nem lago, nem árvore, nem casa se divisam,
E a cordilheira forma uma áspera defesa
Em torno da árida paisagem do deserto...
Mas não é necessário mandar o leitor através do deserto, já que idênticas provas de uma civilização antiga se vêem nos pontos relativamente povoados daquela região. O oásis de Tchertchen, por exemplo, situado a uns 4.000 pés sobre o nível do rio Tchertchen-Darya, acha-se rodeado em todas as direções pelas ruínas de vilas e cidades arcaicas. Uns 3.000 seres humanos representam ali os restos de cem raças e nações extintas, cujos nomes os nossos etnólogos desconhecem por completo. Um antropólogo sentir-se-ia sobremodo embaraçado para os classificar, dividir e subdividir; tanto mais que os descendentes de todas essas raças e tribos antediluvianos sabem tão pouco a respeito dos seus antepassados como se tivessem caído da Lua. Quando inquiridos sobre a sua origem, respondem não saber de onde vieram seus pais, mas que ouviram dizer que seus primeiros ou primitivos ascendentes foram governados pelos grandes Gênios daqueles desertos. Pode isto ser levado à conta de ignorância e superstição. Em face, porém, dos ensinamentos da Doutrina Secreta, pode-se admitir que a resposta seja o eco de uma tradição antiga. Só a tribo de Khoorassan pretende ter vindo do país conhecido hoje por Afeganistão, em época muito anterior a Alexandre; e para apoiar essa afirmativa invoca os contos e legendas do seu povo.
O viajante russo Coronel Prjevalsky (posteriormente General) encontrou, próximo ao oásis de Tchertchen, as ruínas de duas grandes cidades, a mais antiga das quais, segundo a tradição local, foi destruída há 3.000 anos por um herói gigante, e a outra pelos Mongóis no século X de nossa era.
"Os sítios das duas cidades estão agora cobertos, por causa das areias movediças e do vento do deserto, de relíquias estranhas e heterogêneas, fragmentos de porcelana, utensílios de cozinha e ossos humanos. Os indígenas encontram com freqüência moedas de cobre e de ouro, lingotes de prata fundida, diamantes e turquesas, e, o que é ainda mais notável, vidro quebrado... Vêem-se também ataúdes feitos de um material ou madeira incorruptível, contendo corpos embalsamados em perfeito estado de conservação... As múmias de homens revelam indivíduos de estatura elevada e compleição forte, com longas cabeleiras onduladas.... Descobriu-se uma cripta com doze cadáveres sentados. De outra vez, em um ataúde separado, deparamos com o de uma mulher jovem. Os seus olhos estavam cerrados com discos dourados, e os maxilares solidamente presos por uma argola de ouro, que passava sob o queixo e pela parte superior da cabeça. Estava vestida com uma túnica justa de lã, tinha o peito coberto de estrelas de ouro e os pés desnudos[24]."
Acrescenta o famoso viajante que, durante todo o seu caminho ao longo do rio Tchertchen, chegaram aos seus ouvidos lendas referentes a vinte e três cidades sepultadas há muito tempo pelas areias movediças do deserto. A mesma tradição observa-se na região do Lob-nor e no oásis de Kerya.
Os vestígios de tal civilização, juntamente com estas e outras tradições semelhantes, nos autorizam a dar crédito a várias lendas confirmadas por indianos e mongóis educados e cultos, que falam de imensas bibliotecas desenterradas das areias, assim como de relíquias diversas do antigo Saber Mágico, tudo isso guardado em lugar seguro.
Recapitulando: A Doutrina Secreta foi a religião universalmente difundida no mundo antigo e pré-histórico. As provas de sua difusão, os anais autênticos de sua história, uma série completa de documentos que demonstram o seu caráter e a sua presença em todos os países, juntamente com os ensinamentos de seus grandes Adeptos, existem até hoje nas criptas secretas das bibliotecas pertencentes à Fraternidade Oculta.
A afirmativa cresce em verossimilhança quando atentamos para os seguintes fatos: a tradição de que milhares de pergaminhos antigos foram salvos por ocasião da destruição da Biblioteca de Alexandria; os milhares de obras sânscritas desaparecidas na Índia durante o reinado de Akbar; a tradição universal, existente tanto na China como no Japão, de que os verdadeiros textos antigos, como os comentários sem os quais não podem ser entendidos, se encontram desde há muito tempo tora do alcance de mãos profanas; o desaparecimento da vasta literatura sacra da Babilônia; a perda das chaves que unicamente poderiam decifrar os mil enigmas das inscrições hieroglíficas do Egito; a tradição corrente na Índia de que os genuínos comentários secretos, os únicos que podem tornar inteligíveis os Vedas, embora subtraídos às vistas dos profanos, estão à disposição do Iniciado, escondidos em subterrâneos e criptas secretas; e há crença idêntica entre os budistas, no que se refere aos seus livros sagrados.
Afirmam os Ocultistas que todos esses documentos existem, a recato das mãos espoliadoras dos ocidentais, e deverão reaparecer em uma época mais esclarecida - época que, segundo as palavras do Swâmi Dayânand Sarasvati, "tão cedo ainda não virá para os Mlechchhas" (isto é, para os estrangeiros e selvagens, que vivem fora da civilização ariana).
Não é por culpa dos Iniciados que tais documentos se acham atualmente "perdidos" para o profano; e a atitude daqueles não foi ditada pelo egoísmo, nem pelo desejo de monopolizarem a ciência sagrada que dá a vida. É que há certos aspectos da Doutrina Secreta que devem permanecer ocultos a olhos profanos durante idades sem conta. Porque revelar segredos de tal magnitude às massas não preparadas seria o mesmo que entregar uma vela acesa a uma criança dentro de um paiol de pólvora.
A resposta a uma pergunta que amiúde fazem os que se dedicam a estudos desta natureza, quando se deparam com uma afirmativa tal como a anteriormente expressa, pode ser aqui tracejada.
Compreendemos - dizem - a necessidade de ocultar do público segredos como o do Vril, ou seja, o da força que J. W. Keely, de Filadélfia, acreditava haver descoberto, capaz de destruir a rocha; o que, porém, não podemos compreender é que se veja perigo na revelação de uma doutrina puramente filosófica, qual, por exemplo, a da evolução das Cadeias Planetárias.
O perigo está em que doutrinas como as da Cadeia Planetária ou a das Sete Raças proporcionam, desde logo, uma chave sétupla do homem; pois cada um dos princípios humanos está em correlação com um plano, um planeta e uma raça; e os princípios humanos estão, em cada plano, em correspondência com as forças ocultas de natureza sétupla — sendo as dos planos superiores dotadas de uma potência espantosa. Assim, toda classificação setenária é uma chave que pode abrir imediatamente as portas de tremendos poderes ocultos, cujo abuso daria origem a incalculáveis males para a humanidade; uma chave que talvez não fosse utilizada pela geração atual, especialmente pelos ocidentais, protegidos por sua própria cegueira e por sua ignorante incredulidade materialista no tocante às coisas ocultas; mas, em todo caso, uma chave, que seria uma força de efeitos bem reais nos primeiros séculos da era cristã, quando os homens estavam plenamente convencidos da realidade do ocultismo e entravam num ciclo de degradação que os predispunha a abusar dos poderes ocultos e a praticar a feitiçaria da pior espécie.
Ocultavam-se os documentos, é verdade; mas a ciência propriamente dita e sua existência real jamais eram tratadas como segredos pelos Hierofantes do Templo, onde os MISTÉRIOS foram sempre uma disciplina e estímulo para a virtude. São novidades bem antigas, tantas vezes reveladas pelos grandes Adeptos, desde Pitágoras e Platão até os Neoplatônicos.
Foi a nova religião dos Nazarenos que fez operar-se uma reviravolta na regra de conduta seguida durante séculos.
Há, por outra parte, um fato bastante conhecido e sobremodo curioso, que foi confirmado à autora por um cavalheiro respeitável e digno de fé, adido a uma embaixada russa durante muitos anos: a existência, nas Bibliotecas Imperiais de São Petersburgo, de vários documentos pelos quais se comprova que, ainda em época recente, quando a Franco-maçonaria e as Sociedades Secretas de místicos floresciam livremente na Rússia, ou seja, em fins do século passado e começo do presente, mais de um místico russo se dirigiu ao Tibete atravessando os montes Urais, para adquirir o saber e a iniciação nas criptas desconhecidas da Ásia Central. E mais de um regressou, anos depois, com um tesouro de conhecimentos que lhe não seria dado encontrar em nenhum lugar da Europa.
Poderíamos citar inúmeros casos, inclusive nomes bem conhecidos, se tal publicidade não tivesse o inconveniente de causar constrangimento aos descendentes, que ainda vivem, das famílias desses modernos Iniciados. Quem desejar certificar-se do fato não precisará senão consultar os anais e a história da Franco-maçonaria nos arquivos da metrópole russa.
Tudo isso vem corroborar afirmações tantas vezes repetidas, algumas até com demasiada indiscrição. As virulentas acusações de invencionice premeditada e de embuste, lançadas contra aqueles que apenas veicularam fatos reais, ainda que não muito conhecidos, têm servido unicamente para engendrar um mau Carma para os caluniadores, em vez de contribuir para o benefício da humanidade. Agora, porém, que o dano está consumado, não se deve sonegar a verdade por mais tempo, sejam quais forem as conseqüências.
É então a Teosofia uma nova religião? --- eis a pergunta. De nenhum modo; não é uma "religião", nem é "nova" a sua filosofia; pois, conforme temos declarado, é tão velha quanto o homem pensador. Seus princípios não são agora publicados pela primeira vez, mas hão sido cautelosamente revelados e ensinados por mais de um Iniciado europeu, especialmente pelo falecido Ragon.
Sábios eminentes já disseram que não houve um só fundador de religião, seja ário, semita ou turaniano, que tivesse inventado uma religião nova ou revelado uma verdade nova. Todos esses fundadores foram mensageiros — não mestres originais — e autores de formas e interpretações novas; mas as verdades, em que se apoiavam seus ensinamentos, eram tão antigas quanto o gênero humano. Assim, escolhiam e ensinavam às multidões uma ou mais de uma dessas grandes verdades, reveladas oralmente à humanidade nos seus primórdios, preservadas e perpetuadas por transmissão pessoal, feita de uma a outra geração de Iniciados no Adyta dos templos durante os Mistérios — realidades visíveis tão somente para os verdadeiros Sábios e Videntes.
Desse modo, cada nação recebeu a seu tempo algumas das verdades aludidas, sob o véu de seu próprio simbolismo, local e peculiar, simbolismo que, com o correr dos anos, evolucionou para um culto mais ou menos filosófico, um Panteão de aparência mítica. É por isso que Confúcio (na cronologia histórica um legislador muito antigo, mas um sábio bem moderno na história do mundo) foi assinalado pelo Dr. Legge[25] como um mensageiro, e não como um criador. E ele próprio dizia: "Eu não faço mais que transmitir; não posso criar nenhuma coisa nova. Creio nos antigos, e portanto os venero[26]."
A autora também os venera e neles acredita, assim como nos modernos herdeiros de sua Sabedoria. E, com essa dupla fé, transmite agora, a todos aqueles que o desejem, o que ela própria recebeu e aprendeu. Aos que lhe recusem o testemunho — e que serão a grande maioria — não guardará o menor ressentimento, pois, negando, eles estão no seu direito, do mesmo modo que a ela assiste o de afirmar. As duas partes estarão contemplando a Verdade de ângulos inteiramente diversos. Segundo as regras da crítica científica, deve o orientalista rejeitar a priori toda proposição que ele não possa cabalmente verificar por si mesmo. E como poderia um sábio ocidental aceitar, por ouvir dizer, coisas sobre as quais nada conhece?
Em verdade, o que se contém nestes volumes foi recolhido tanto de ensinamentos orais como escritos. Esta primeira apresentação da doutrina esotérica se acha baseada nas Estâncias, que representam os anais de um povo que a etnologia desconhece. Foram escritas, segundo se afirma, em um idioma ausente da nomenclatura das línguas e dialetos que a Filologia conhece; assegura-se que promanam de uma fonte que a ciência repudia, ou seja, do Ocultismo; e, finalmente, são oferecidas ao público por intermédio de uma pessoa desacreditada, sem cessar, perante o mundo, por todos os que odeiam as verdades importunas ou têm algum interesse particular a defender. Devemos, portanto, contar com o repúdio destes ensinamentos, e conformar-nos com isso desde já. Nenhum daqueles que se consideram "sábios", em qualquer dos ramos da ciência exata, se dignará de levá-los a sério. Escarnecê-los e rejeitá-los a priori — tal será a atitude que prevalecerá no século atual; mas somente neste, porque no século XX da era cristã os eruditos principiarão a reconhecer que a Doutrina Secreta não foi nem inventada nem exagerada, mas, pelo contrário, simplesmente delineada; e, por fim, que os seus ensinamentos são anteriores aos Vedas. Não vai nisso pretendermos o dom da profecia: é uma simples e despresumida afirmação baseada no conhecimento dos fatos. De cem em cem anos surge uma tentativa de mostrar ao mundo que o Ocultismo não é uma vã superstição. Uma vez que se possa de algum modo entreabrir a porta, ela ir-se-á abrindo cada vez mais nos séculos sucessivos. Os tempos estão propícios para o advento de conhecimentos mais sérios que os permitidos até agora, se bem que ainda tenham de ser muito limitados.
Não foram os Vedas também escarnecidos e repudiados, e havidos como "uma falsificação moderna", não faz ainda cinqüenta anos? Não houve um tempo em que o sânscrito foi declarado filho do grego, e um dialeto derivado dessa língua, segundo Lemprière e outros eruditos? Até 1820, diz o Professor Max Muller, os livros sagrados dos brâmanes, dos magos e dos budistas "eram desconhecidos; duvidava-se mesmo de sua existência, e não havia um só erudito que pudesse traduzir uma linha dos Vedas... do Zend Avesta... ou do Tripitaka budista; e hoje está provado que os Vedas pertencem à mais remota antigüidade, sendo a sua conservação quase uma maravilha".
Outro tanto se dirá da Doutrina Secreta Arcaica, quando se produzirem provas irrecusáveis de sua existência e de seus anais. Mas passarão ainda muitos séculos antes que se publique muita coisa mais do que agora. Falando da chave para os mistérios do Zodíaco, quase perdida para o mundo, teve a autora oportunidade de observar, em Ísis sem Véu, há cerca de dez anos: "A esta chave devem dar-se sete voltas antes que todo o sistema possa ser divulgado. Não daremos aqui senão uma volta, para permitir ao profano uma rápida visão do mistério. Feliz aquele que puder apreender o todo!"
O mesmo se dirá de todo o Sistema Esotérico. Uma volta à chave, e não mais, se deu em Ísis sem Véu. Muito mais coisas são explicadas nos presentes volumes. Naqueles dias a autora conhecia pouca a língua em que a obra foi escrita, e estas revelações, que agora podem ser feitas, lhe eram então vedadas.
No século XX, algum discípulo mais bem informado, e com qualidades mui superiores, poderá ser enviado pelos Mestres da Sabedoria para dar provas definitivas e irrefutáveis de que existe uma Ciência chamada Gupta Vidyâ; e de que, assim como as nascentes do Nilo outrora envoltas em mistério, a fonte de todas as religiões e filosofias atualmente conhecidas permaneceu esquecida e perdida para a humanidade durante séculos, mas foi afinal encontrada.
A uma obra tal como esta não podia servir de introdução um simples prefácio, exigindo antes um volume; e um volume que expusesse fatos, não meras dissertações, porque A DOUTRINA SECRETA não é um tratado ou série de teorias vagas, senão uma explanação de tudo o que pode ser dado ao mundo neste século.
Seria inútil incluir, nas páginas do livro propriamente dito, aqueles pontos dos ensinamentos esotéricos que escaparam à interdição, sem que, preliminarmente, ficasse estabelecida a autenticidade ou, pelo menos, a probabilidade da existência de semelhantes ensinamentos. As afirmações que vamos fazer devem trazer o abono de várias autoridades, tais como as de antigos filósofos, de escritores clássicos e até de eruditos Padres da Igreja, alguns dos quais conheceram e estudaram essas doutrinas, viram e leram obras escritas sobre este assunto, notando-se entre eles os que chegaram a ser pessoalmente iniciados nos mistérios antigos, durante cuja celebração eram representadas alegoricamente as doutrinas ocultas. Terão de ser citados nomes históricos e dignos de confiança, autores bem conhecidos, antigos e modernos, de competência indiscutível, julgamento reto e veracidade comprovada; nomeados também alguns dos mais esclarecidos e famosos discípulos das artes e ciências secretas, juntamente com os mistérios destas últimas, tal como foram divulgados, ou melhor, apresentados ao público, em sua estranha forma arcaica.
Como proceder? Qual o melhor caminho para alcançar esse objetivo? Eis a questão que nos temos sem cessar proposto.
Para tornar mais claro o que temos em mente, vamos tentar uma comparação. Quando um viajante, procedente de regiões bem exploradas, chega de súbito às fronteiras de uma terra incógnita, circundada e oculta à vista por imensa barreira de rochas inacessíveis, pode, apesar disso, negar-se a reconhecer que se viu frustrado em seus planos de observação. O obstáculo o impede de passar adiante. Mas, se lhe não é dado visitar pessoalmente a misteriosa terra, pode, sim, encontrar meios de examiná-la do ponto mais próximo a que tenha acesso. Auxiliado pelo conhecimento das paisagens que deixou atrás, pode formar uma idéia geral e suficientemente correta da perspectiva adiante da barreira, bastando, para isso, subir às elevações da vizinhança. Uma vez ali, ser-lhe-á fácil contemplar à vontade o panorama que além se descortina, e comparar o que confusamente percebe com o que lhe ficou para trás; pois, mercê de seus esforços, conseguiu transpor a linha das brumas e dos cimos cobertos de nuvens.
Tal ponto de observação preliminar não o podemos oferecer nestes volumes àqueles que ambicionem conhecer de maneira mais completa os mistérios dos períodos pré-arcaicos referidos nos textos. Se o leitor, porém, quiser ter paciência e se dispuser a um lance de vista sobre o estado atual das diversas crenças existentes na Europa, comparando-as ao que a história refere das épocas que imediatamente precederam e seguiram a era cristã, poderá encontrar tudo isso em um futuro volume da presente obra[27].
Nesse volume se apresentará uma breve recapitulação dos principais Adeptos historicamente conhecidos; dar-se-á notícia de como os Mistérios decaíram, principiando em seguida a desaparecer, e apagando-se finalmente da memória dos homens, a verdadeira natureza da Iniciação e da Ciência Sagrada: Passaram desde então a ser ocultos os seus ensinamentos, e a Magia não persistiu senão, quase sempre, sob as cores veneráveis, mas por vezes enganosas, da Filosofia Hermética. Assim como o verdadeiro Ocultismo havia prevalecido entre os místicos durante os séculos que antecederam a nossa era, assim a Magia, ou antes a Feitiçaria com suas artes ocultas, seguiu-se ao advento do Cristianismo.
Naqueles primeiros séculos desdobrou-se o fanatismo em ingentes e pertinazes esforços no sentido de obliterar todo e qualquer vestígio da obra mental e intelectual dos pagãos. Mas foi tudo em vão, ainda que o mesmo espírito do obscuro gênio do fanatismo e da intolerância haja, desde esse tempo, adulterado sistematicamente todas as brilhantes páginas escritas nos períodos anteriores ao Cristianismo. A própria história, apesar de seus anais imperfeitos, conservou alguns fragmentos que sobreviveram àquele período, suficientes para lançar uma luz imparcial sobre o conjunto.
Que o leitor se detenha um instante em companhia da autora no ponto de observação escolhido, e concentre toda a sua atenção nos 1.000 anos que, correspondendo aos períodos anteriores e posteriores ao Cristianismo, se acham divididos em duas partes pelo ano Um da Natividade. Este acontecimento, seja ou não historicamente exato, constituiu-se o primeiro de uma série de baluartes levantados para se oporem a um possível retorno, e até mesmo à simples observação retrospectiva, das tão odiadas religiões do passado: odiadas e temidas, porque projetavam uma luz demasiado intensa sobre a interpretação nova e intencionalmente velada do que hoje se chama a "Nova Lei".
Por sobre-humanos que fossem os esforços dos primeiros Padres da Igreja para riscar a Doutrina Secreta da memória dos homens, todos eles se frustraram. A verdade jamais pode ser destruída; e por isso não surtiu efeito a tentativa de eliminar inteiramente da face da Terra todo vestígio da antiga Sabedoria, nem de aguilhoar e amordaçar todos aqueles que dela possam dar testemunho. Se se atentar para os milhares e talvez milhões de manuscritos queimados; os monumentos reduzidos a pó com suas inscrições por demais indiscretas e pinturas de um simbolismo excessivamente sugestivo; a multidão de eremitas e ascetas que passaram a percorrer as ruínas das cidades do alto e do baixo Egito, os desertos e as montanhas, os vales e as terras altas, buscando com ardor obeliscos e colunas, rolos e pergaminhos, para destruir os que contivessem o símbolo do Tau ou qualquer outro signo de que a nova fé se havia apropriado — compreender-se-á facilmente por que sobrou tão pouco dos anais do passado.
A verdade é que o obsediante espírito de fanatismo dos cristãos dos primeiros séculos e da Idade Média, como também ocorreu depois com os sectários do islamismo, preferiu sempre viver no obscurantismo e na ignorância. Uns e outros converteram.
.................. o sol em sangue,
E fizeram da terra uma tumba,
Da tumba um inferno, e deste inferno
Inda muito mais profundas trevas!
Ambas as religiões conquistaram seus prosélitos com a ponta da espada; ambas construíram seus templos sobre enormes hecatombes de vítimas humanas. No pórtico do século I de nossa era brilharam fatidicamente estas palavras ominosas: "O CARMA DE ISRAEL". Sobre os umbrais do XIX poderão ler os profetas do futuro outras palavras que farão referência ao Carma da história ardilosamente falseada dos fatos deturpados de propósito e dos grandes caracteres caluniados ante a posteridade e destruídos até ficarem irreconhecíveis, entre os dois carros de Jagannâtha: o Fanatismo e o Materialismo — um que tudo aceita e o outro que tudo nega. Sábio é aquele que se mantém tranqüilo entre os dois extremos, e que confia na justiça eterna das coisas.
Diz Faiza Dîwân, "testemunha dos maravilhosos discursos de um livre pensador que pertence a mil seitas":
"Na assembléia do dia da ressurreição, quando serão perdoadas as coisas do passado, deixarão de existir os pecados da Ka'bah, graças ao pó das igrejas cristãs."
A isso responde o Professor Max Muller:
"Os pecados do Islam são tão indignos como o pó do Cristianismo, no dia da ressurreição, tanto os maometanos como os cristãos verão a inanidade de suas doutrinas religiosas. Os homens combatem pela religião na terra;; no céu compreenderão que só existe uma religião verdadeira- a adoração do ESPÍRITO DE DEUS[28]."
Em outras palavras: "NÃO HÁ RELIGIÃO SUPERIOR À VERDADE" - Satyat Nâsti Paro Dharmah — o lema do Mahârâjah de Benares, adotado pela Sociedade Teosófica.
Como já se disse no Prefácio, A DOUTRINA SECRETA não representa outra versão de Ísis sem Véu, conforme era a intenção original. É antes uma obra que explica a anterior e, conquanto dela independe, seu indispensável corolário. Muita coisa exposta em Ísis sem Véu era de difícil compreensão para os teósofos naquele tempo. A DOUTRINA SECRETA vem trazer luz a muitos problemas que ficaram sem solução no primeiro livro, especialmente em suas páginas iniciais.
Como o nosso objetivo ali era ocupar-nos simplesmente do que tinha relação com os sistemas filosóficos compreendidos em nossos tempos históricos, e com os diversos simbolismos das nações desaparecidas, não nos era possível, nos dois volumes de Ísis, senão um rápido lance de olhos sobre o panorama do Ocultismo. Na presente obra daremos, com certa minúcia, a cosmogênese e a evolução das quatro Raças que precederam a nossa quinta Raça humana, publicando-se agora dois grandes volumes[29], em que se explicam o que foi dito só nas primeiras páginas de Ísis sem Véu e em algumas alusões esparsas aqui e ali no contexto do livro. Não caberia intentarmos apresentar nestes volumes o vasto catálogo das Ciências Arcaicas, antes de nos havermos ocupado de problemas de tanta magnitude como os da Evolução cósmica e planetária, e o do gradual desenvolvimento das misteriosas humanidades e raças que precederam a nossa Humanidade Adâmica. Assim, a tentativa que ora se empreende para esclarecer alguns mistérios da Filosofia Esotérica nada tem a ver, em verdade, com a obra anterior. Permita-se que a autora dê um exemplo, à guisa de explicação.
O volume I de Ísis começa com uma referência a um livro antigo:
"É tão antigo que, se os antiquários contemporâneos meditassem sobre suas páginas durante, horas e dias intermináveis, nem assim chegariam a pôr-se de acordo quanto à natureza do material em que foi escrito. É o único exemplar original que atualmente existe. O mais velho documento hebreu referente à sabedoria oculta — o Siphrah Dzenioutha — é uma compilação daquela vetusta obra, feita numa época em que a mesma já era considerada uma relíquia literária. Uma de suas vinhetas representa a Essência Divina emanando de Adão[30], à maneira de arco luminoso que se expande em um círculo. Depois de haver alcançado o ponto mais alto da circunferência, a Glória inefável retrocede para voltar à terra, trazendo em seu vértice um tipo superior de humanidade. À medida que se aproxima do nosso planeta, a emanação se torna cada vez mais obscura, até que, ao tocar a terra, é já negra como a noite."
Esse livro tão antigo é a obra original de que foram compilados os numerosos volumes do Kiu-ti. E não somente este último e o Siphrah Dzenioutha, senão também o Sepber Yetzirah[31] - a obra atribuída pelos cabalistas hebreus ao seu patriarca Abraão(!); o Shu-King, a bíblia primitiva da China; os volumes sagrados do Thoth-Hermes egípcio; os Purânas da índia; o Livro dos Números caldeu; e o próprio Pentateuco — são todos derivados daquele pequeno livro. Reza a tradição que foi escrito em senzar, a língua secreta dos sacerdotes, consoante as palavras dos Seres Divinos que o ditaram aos Filhos da Luz, na Ásia Central, quando se iniciava a nossa Quinta Raça: naqueles tempos o senzar era conhecido dos Iniciados de todas as nações, e os antepassados dos Toltecas o entendiam tão bem como os habitantes da perdida Atlântida; estes últimos o herdaram, por sua vez, dos sábios da Terceira Raça, os Mânushis, que o aprenderam diretamente dos Devas da Segunda e da Primeira Raça. A vinheta de que se fala em Ísis relaciona-se com a evolução destas raças e com a de nossa humanidade das Raças Quarta e Quinta, durante a Ronda ou Manvantara de Vaivasvata. Cada Ronda se compõe de Yugas dos seis períodos da humanidade, quatro dos quais já se passaram em nosso Ciclo de Vida, estando quase alcançado o ponto médio do quinto. O desenho é simbólico, como facilmente se percebe, e abrange o conjunto desde o princípio.
O antigo livro, depois de descrever a evolução cósmica e explicar a origem de tudo o que existe sobre a terra, inclusive o homem físico, depois de traçar a verdadeira história das Raças, da Primeira à Quinta (a nossa), não vai mais adiante: termina bruscamente no início do Kâli Yuga, ou seja, há precisamente 4.989 anos, quando se deu a morte de Krishna, o resplandecente deus solar, que foi um herói e grande reformador daqueles tempos.
Há, porém, outro livro. Nenhum de seus possuidores o considera muito antigo, por datar apenas do começo da Idade Negra, contando aproximadamente 5.000 anos. Dentro de uns nove anos terá fim o primeiro período de cinco milênios que deu início ao grande ciclo de Kali Yuga[32], e então se cumprirá a última profecia contida nesse livro, que é o primeiro dos Anais proféticos da Idade Negra. Não temos que esperar muito tempo: muitos de nós veremos a aurora do novo Dia, no fim do qual serão acertadas várias contas e diferenças entre as raças. O segundo volume das profecias se acha quase terminado; o seu preparo principiou nos tempos de Shankarâcharya, o grande sucessor de Buddha.
Deve chamar-se a atenção para outro ponto importante, que é o principal dos que constituem a série de provas da existência de uma Sabedoria primitiva e universal; importante pelo menos para os cabalistas cristãos e os eruditos. Tais doutrinas eram conhecidas, ainda que em parte, de vários Padres da Igreja. Afirma-se, com base rigorosamente histórica, que Orígenes, Sinésio e até mesmo Clemente de Alexandria haviam sido iniciados nos Mistérios, antes de reunirem, sob um véu cristão, o sistema dos Gnósticos ao Neoplatonismo da escola de Alexandria. E mais ainda: alguns dos ensinamentos secretos (não todos) foram conservados no Vaticano; e desde então passaram a fazer parte integrante dos Mistérios, sob a forma de aditamentos que, desfigurados, a Igreja Latina introduziu no programa cristão original. Como exemplo, temos o dogma da Imaculada Conceição, hoje materializado. Explicam-se por isso as grandes perseguições movidas pela Igreja Católica Romana ao Ocultismo, a Maçonaria e ao Misticismo heterodoxo em geral.
Os dias de Constantino foram o último ponto crítico da história, o período da luta suprema que acabou por destruir as velhas religiões no mundo ocidental, em favor do novo credo, edificado sobre os corpos daquelas. Desde então, a perspectiva de um passado remoto, de períodos pré-históricos anteriores ao Dilúvio e ao Jardim do Éden, começou a ser interceptada por todos os meios, lícitos e ilícitos, aos olhares indiscretos e às indagações da posteridade. Todas as saídas foram interditadas, e destruídos todos os documentos que podiam estar ao alcance. Contudo, entre esses documentos, assim eliminados ou mutilados, ficou ainda um saldo suficiente para nos autorizar a dizer que neles se continha toda a prova exigível da existência de uma Doutrina-Máter. Alguns fragmentos escaparam aos cataclismos geológicos e políticos, para contar a sua história; e o que se salvou demonstra que a Sabedoria Secreta foi em tempos a única fonte, a fonte perene e inesgotável de que se alimentavam todas as correntes — as religiões posteriores dos diversos povos, desde a primeira à última.
A fase que se inicia com Buddha e Pitágoras, e finda com os Neoplatônicos e os Gnósticos, é o único foco, que a história nos depara, aonde pela última vez convergem os cintilantes raios de luz emanados de idades remotíssimas e não obscurecidos pelo fanatismo.
Tudo isso evidencia a necessidade, em que se viu freqüentemente a autora, de invocar fatos recolhidos do mais vetusto passado com apoio em provas fornecidas pelo período histórico. Não dispunha de outros meios à sua disposição, e corria o risco de sofrer, uma vez mais, a acusação de falta de método e de sistema.
É preciso, porém, que o público seja inteirado dos esforços de muitos Adeptos que viveram no mundo, de poetas e escritores clássicos iniciados de todos os tempos, para conservar nos anais da humanidade pelo menos o conhecimento da existência de tal filosofia, se não o de seus verdadeiros princípios. Os Iniciados de 1888 seriam realmente um mito incompreensível, se não ficasse demonstrado que outros iniciados semelhantes existiram em todas as épocas da história. E somente é possível fazê-lo citando os capítulos e versículos dos livros que se referiram a esses grandes personagens, aos quais precedeu e seguiu uma longa e interminável série de outros Mestres nas artes ocultas, assim anteriores como posteriores ao Dilúvio. Esse é o único meio de comprovar, com o testemunho meio histórico e meio tradicional, que a ciência do Oculto e os poderes que o homem confere não representam nenhuma ficção, mas fatos tão velhos quanto o próprio mundo.
Aos meus juízes, pretéritos e futuros, nada tenho, portanto, que dizer — sejam eles críticos sinceros ou esses dervixes literários que fazem tanto alarido e julgam uma obra pela popularidade ou impopularidade do autor, e, sem atentar no seu conteúdo, investem contra ela, à maneira de bacilos mortíferos nos pontos mais fracos do corpo. Não me preocupam tampouco aqueles caluniadores de cabeça vazia, em número reduzido felizmente, que esperam atrair para si a atenção do público lançando o descrédito sobre todo escritor cujo nome é mais conhecido que os deles, e assim ladram e escumam ante a própria sombra. Estes sustentaram durante alguns anos que as doutrinas expostas em The Theosophist, e mais tarde no Esoteric Buddhism, haviam sido inventadas pela autora que escreve estas linhas; e agora, variando inteiramente de tática, denunciam Ísis sem Véu e todas as demais obras como plágios de Eliphas Lévi(!), de Paracelco(!), e, mirabile dictu, do budismo e do bramanismo(!!!). É o mesmo que acusar Renan de haver roubado dos Evangelhos a sua Vida de Jesus, e Max Muller os seus Livros Sagrados ao Oriente, ou os seus Fragmentos, das filosofias dos brâmanes e de Gautama Buddha. Mas ao público em geral, e aos leitores de A DOUTRINA SECRETA em particular, posso repetir o que nunca deixei de afirmar, e que agora sintetizo nas palavras de Montaigne:
Senhores, eu fiz apenas um ramalhete de flores escolhidas: nele nada existe de meu, a não ser o laço que as prende.
Rompei o cordão ou desatai o laço, como vos parecer melhor. E quanto ao ramalhete de fatos, jamais podereis destruí-lo. Podeis ignorá-lo, e nada mais.
Concluiremos com mais algumas palavras a propósito deste primeiro volume.
Na introdução que serve de prefácio à parte de uma obra que versa principalmente sobre Cosmogonia, pode parecer que alguns pontos focados se encontrem fora de lugar. Mas outras considerações, além das que foram mencionadas, assim nos obrigaram a proceder. É natural e inevitável que cada um dos leitores julgue as nossas afirmações através do prisma de seus próprios conhecimentos, experiência e foro íntimo. E este é um fato que a autora deve sempre levar em conta. Daí a necessidade de referir-se freqüentemente, neste primeiro volume, a temas que com mais propriedade dizem respeito à última parte da obra, mas que não podiam passar em silêncio sem o risco de vermos o livro considerado como um conto de fadas ou como ficção de algum cérebro moderno.
O Passado ajudará a conhecer o Presente, e o Presente servirá para compreender melhor o Passado. Os erros do dia devem ser explicados e desfeitos. Contudo, é mais que provável, é mesmo certo que ainda desta vez o testemunho das idades passadas e da história não deixará impressão, a não ser nos entendimentos intuitivos, o que vale dizer — em muitos poucos. Em todo caso, nesta como em outras oportunidades, semelhantes, as pessoas sinceras e fiéis podem consolar-se trazendo perante os céticos saduceus modernos o depoimento matemático e histórico da obstinação e da estreiteza do critério humano. Ainda existe nos Anais da Academia de Ciências da França um estudo que ficou célebre acerca da lei de probabilidades, deduzida pelos matemáticos em benefício dos céticos, valendo-se de um processo algébrico, que conclui pela seguinte fórmula: — Se duas pessoas reconhecem a evidência de um fato, e cada uma delas lhe comunica 5/6 de certeza, este fato possuirá então 35/36 de certeza; significando que sua probabilidade estará em relação com sua improbilidade na razão de 35 para 1. Se me reúnem três evidências semelhantes, a certeza passa a ser de 215/216. O testemunho de dez pessoas, cada qual com 1/2 de certeza, produzirá 1023/1024, e assim por diante.
O ocultista pode dar-se por satisfeito com esta certeza, e de mais não necessita.
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[1] Veja-se The Theosophist de junho de 1883
[2] Prefácio da edição original.
[3] Transformações, modificações.
[4] Dan (Ch'an na moderna fonética chinesa e tibetana) é o nome genérico das escolas esotéricas e de sua literatura. Nos livros antigos, a palavra Janna é definida como "reforma do indivíduo por meio da meditação e do conhecimento", um segundo nascimento interno. Donde Dzan, Djan foneticamente, o Livro de Dzyan. Veja-se Edkins, Chinese Buddhism, pág. 129, nota.
[5] Beglor, engenheiro-chefe em Buddha Gâya, e arqueólogo eminente, foi, segundo cremos, o primeiro a fazer essa descoberta.
[6] Veja-se Ísis sem Véu, vol. II.
[7] Introduction to the Science of Religion, pág. 23
[8] Ain i Akbâri, traduzido pelo Dr. Blochmann, citação de Max Muller, op. cit.
[9] Tao-te-King, pág. XXVII.
[10] Max Muller, op. cit., pág. 114.
[11] Eusébio
[12] Esta concordância só recentemente foi descoberta e documentada, graças ao trabalho de George Smith (veja-se o seu Chaldean Account of Genesis); de modo que foi a falsificação do armênio Eusébio que induziu todas as "nações civilizadas" a aceitar, durante mais de 1.500 anos, as derivações judaicas como direta Revelação Divina.
[13] Egypt's Place in History, I, 200.
[14] Spence Hardy: The Legends and Theories of Buddhists, pág. 66.
[15] E. Schlagintweit: Buddhism in Tibet, pág. 77.
[16] Lassen (Ind. Althersumkunde, II, 1072) fala de um mosteiro budista cons¬truído nos montes Kailâs no ano 137 antes de Cristo; e o general Cunningham de outro anterior
[17] Rev. J. Edkins: Chinese Buddhism, pág. 87.
[18] Vejam-se, por exemplo, os discursos de Max Muller.
[19] Op. cit., pág. 118.
[20] Op. cit., pág. 318.
[21] Estrangeiros, não pertencentes à raça ariana.
[22] Asiatic Researches, I, pág. 272.
[23] Veja-se Max Muller, op. cit., págs. 288 e segs. Trata-se aqui da hábil falsificação, mediante folhas insertas em velhos manuscritos purânicos e grafadas em sânscrito arcaico e correto, de tudo quanto os pandits tinham ouvido o Coronel Wilford dizer acerca de Adão e Abraão, Noé e seus três filhos etc. etc.
[24] De uma conferência de N. M. Prjevalsky.
[25] Life and Teachings of Confucius, pág. 96.
[26] Lun-Yu (§ I.a.), Schott: Chinesische Literatur, pág. 7; citado por Max Muller.
[27] A edição de 1888 dizia: "no volume III desta obra".
[28] Op. cit., pág. 257.
[29] Da primeira edição inglesa.
[30] Este nome é usado no sentido da palavra grega, auqrwpoz.
[31] O rabino Jehoshua Ben Chananea, que morreu no ano 72 A.D., declarou abertamente que realizava "milagres" por meio do livro Sepher Yetzirah; e desafiava os céticos. Franck, citando o Talmud babilônico, fala de dois outros taumaturgos, os rabinos Chanina e Oshoi. (Veja-se Jerusalém Talmud, Sanhedrin, cap. VII etc.; e Franck, Die Kabbalab, págs. 55, 56). Muitos dos ocultistas, Alquimistas e Cabalistas da Idade Média pretenderam a mesma coisa, e o último dos magos modernos, Eliphas Levi, o assegura publicamente em seus livros de magia.
[32] Nota da Edição de Adyar, 1938, pág. 65:
H. P. B. escreveu no Vahan, em dezembro de 1890, pág. 2: "...Se quereis realmente ajudar a nobre causa, deveis fazê-lo agora: porque dentro de mais alguns anos os vossos esforços, assim como os nossos, serão improfícuos... Estamos em plena metade das trevas egípcias do Kâli Yuga, a Idade Negra, cujo primeiros 5.000 anos — seu primeiro ciclo sombrio — estão prestes a findar neste mundo, entre 1897 e 1898. A menos que sejamos bem sucedidos em colocar a S.T., antes dessa data, na posição segura da corrente espiritual, ver-se-á ela projetada irremediavelmente no abismo da Frustração, e as gélidas ondas do esquecimento se fecharão sobre a sua cabeça condenada. Desse modo, terá ingloriamente perecido a única associação cujo objeto, normas e propósitos originais correspondem, sob todos os aspectos e particularidades, — se levados a cabo sem desfalecimentos — ao mais profundo e essencial pensamento de todos os grandes Adeptos Reformadores: o esplêndido sonho de uma FRATERNIDADE UNIVERSAL DO HOMEM."
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